TODO HOMEM É CULPADO DO BEM QUE NÃO FEZ
Gustavo trabalha a três anos numa metalúrgica em Cumbica, município de Guarulhos.
Todo dia ele sai de casa dez para cinco da manhã.
Caminha por ruas e vielas mal iluminadas até o ponto de ônibus, lá ele pega o Guarulhos via Cumbica que vem do Jardim da Oliveiras.
Gustavo ganha quatrocentos e vinte reais por mês, paga de aluguel duzentos e cinquenta.
Para ajudar no orçamento, sua mulher vende de tudo. Natura, Avon, e roupinhas de criança.
O casal tem dois filhos, Joice de quatro anos e Thiago de um ano e meio.
A maior revolta de Gustavo, é quando ele vê na TV que não existe inflação, parece que o FHC é presidente de outro país, porque aqui no Brasil, desde o plano real, a única coisa que não aumenta de jeito nenhum é o salário, aumentar pra quê se não existe inflação.
Já no supermercado, com donos bem brasileiros, tudo aumenta a toda hora.
A tempos que o padrão de vida na casa do Gustavo vem piorando, mas 2002 está insuportável.
Se não bastasse tudo isso, na metalúrgica existe um risco constante de corte, o encarregado vive pressionando todos a trabalhar mais, porque a empresa vai mal e um dia todos acabarão demitidos.
O dono da empresa não conversa com os funcionários, ele tem outros negócios e por isso passa umas duas, três horas por dia lá, depois parte no seu carrão importado.
O proprietário da casa que Gustavo mora, e que vive do aluguel de suas várias casas, quer elevar o valor do aluguel para trezentos e cinquenta reais, por ironia do destino alega que o custo de vida aumentou e lhe obriga a reajustar o aluguel, depois de muita discussão e negociação o valor fica definido em trezentos reais a partir de Maio de 2002.
Deste mês em diante a situação piorou de vez, constantemente falta alguma coisa.
Mas iam levando aos trancos e barrancos, esperando sempre por dias melhores.
Gustavo mora ao lado de uma favela no Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo, a favela não lhe traz dor de cabeça, ele até joga no time do “Sangue B” que é bancado por traficantes do local, o futebol de Domingo é seu único lazer.
Dia destes acabou o gás na casa de Gustavo, ao chegar do serviço, mesmo a contra gosto foi forçado a pedir dinheiro emprestado ao dono da boca, sem cozinhar que não poderia ficar, se não bastasse as crianças ele tinha que levar marmita.
Foi quando o pior aconteceu, a metalúrgica cortou em setembro oito funcionários do seu quadro, entre eles Gustavo.
A indenização e o FGTS serviu para quitar algumas dívidas em atraso, para se previnir pagou o aluguel até dezembro, acreditava que se arrumasse logo outro emprego, teria sido até melhor.
Gustavo não perdeu tempo e partiu logo atrás de outra ocupação, no começo procurava emprego de Segunda a Sexta, mas o tempo foi passando e nada, o dinheiro foi acabando e já não dava para gastar com condução todo dia, passou a procurar mais no começo de semana, a cada Domingo com o caderno de emprego nas mãos, a esperança se renovava.
Gustavo viu as portas e mais portas se fecharem para ele, passou setembro, outubro, novembro.
Dezembro de 2002 e a situação já era insuportável, mês que vem tem o aluguel, e o final de ano prometia ser triste.
Gustavo chega cansado depois de mais uma Segunda-feira frustrante atrás de emprego, encontra a mulher chorando em casa, não tem mais comida para por na panela, nem leite pro filho pequeno.
Para evitar que passem fome ele se vê obrigado a vender seu aparelho de som, claro que por bem menos, mas foi como jogar um copo d´água no deserto, só resolveu a emergência, mas não curou a doença.
Domingo no campo, Gustavo se trocava para jogar bola, ao seu lado cinco homens conversavam, eles eram do time e envolvidos no crime, falavam de um assalto que iria acontecer, Gustavo ouviu eles falarem que a fita tinha sido dada e que não tinha erro, ia virar cerca de trinta mil reais, dividido em sete, no máximo em oito pessoas, entre eles o funcionário da firma assaltada e que deu o esquema, ele tinha cargo de confiança e estaria acima de qualquer suspeita.
Xandão falou: - a parada é depois de amanhã e falta um piloto de fuga, só temos um.
Gustavo ouvia tudo, pensou no dinheiro, na sua situação e movido pelo desespero ele falou: - Eu topo ser piloto, dirijo muito bem, podem confiar.
Debateram o fato de ele não ser do crime, e acabaram concordando porque ele falou que sua família estava prestes a passar fome. Gustavo estava envolvido.
A fita era o seguinte, por volta das onze horas da manhã, chegaria um Palio branco na Lanus Embalagens, nela estaria o irmão do dono da empresa, com ele o pagamento do salário e da Segunda parcela do décimo terceiro dos funcionários, se não for agora já era, porque a partir do ano novo o pagamento seria via banco.
O bando ficaria ao redor da firma, uns no boteco, outros andando até o Palio aparecer, quando o homem do dinheiro subir as escadas, os dois pilotos param os carros na esquina, o Nino enquadra o segurança, o Geléia dá cobertura na frente da firma, os demais sobem e fazem o assalto.
Chega o dia D, onze e vinte chegou o Palio com dois homens, descem com uma bolsa tipo de viagem, o plano foi posto em prática, o assalto foi rápido e sem problemas, os ladrões correm para os carros, conforme combinado cada carro seguiria um caminho.
Mas uma Blazer da polícia passou a perseguir o carro guiado por Gustavo.
Muitos gritos e desespero, mas Gustavo era realmente bom de volante, a perseguição foi longa e próximo a um matagal Gustavo parou e todos desceram, só ele seguiu sozinho para despistar de vez a viatura que não chegou a ver o desembarque dos demais ocupantes, só que a esta altura já não era só uma e sim várias viaturas, para piorar a situação chegou o apoio do Águia, helicóptero da polícia. O outro carro usado no assalto e que levara o dinheiro foi embora sem problemas.
Estavam em alta velocidade pela Avenida Aricanduva, quatro viaturas e o Águia na perseguição, foi quando para desviar de uma criança, Gustavo perdeu o controle e caiu no rio, morreu no acidente.
A polícia deu a notícia para família, a esposa de Gustavo mostrou os documentos do marido e afirmou nem imaginar sobre o assalto, mostrou inclusive a rescisão da última empresa que ele trabalhou.
A polícia percebeu a inocência da mulher e a deixaram em paz, o enterro foi feito com ajuda de parentes e vizinhos.
Dois investigadores rodearam a residência por uma ou duas semanas e encerraram as investigações sobre a família.
Natal de 2002, além da dor da perda, Dona Vera não sabia o que fazer, faltava comida, não existia brinquedos nem panetone, a situação era terrível e eles passaram com a ajuda de vizinhos.
Dia 31 de dezembro, na rua festa e fogos.
Dentro da casa Dona Vera chorava de saudade e de desespero.
Foi quando alguém bateu na porta, ela atendeu ainda enxugando as lágrimas, um homem de capuz entregou um pacote para ela e falou.
É parte do seu marido no assalto.
O homem partiu sem dizer mais nada.
A mulher contou três mil e setecentos reais, separou cem e foi comprar alguma coisa para os filhos comerem, o restante guardou numa mala em cima do guarda-roupa.
Uma semana depois ela se mudou com os filhos e nunca mais, nem em sonho ela voltaria ao Itaim Paulista.
Alessandro Buzzo, escritor, participou do Literatura Marginal Ato I, é autor do livro O Trem Baseado em Fatos Reais e Suburbano Convicto, O Cotidiano do Itaim Paulista.
Contato www.suburbanoconvicto.blogger.com.br.
Gustavo trabalha a três anos numa metalúrgica em Cumbica, município de Guarulhos.
Todo dia ele sai de casa dez para cinco da manhã.
Caminha por ruas e vielas mal iluminadas até o ponto de ônibus, lá ele pega o Guarulhos via Cumbica que vem do Jardim da Oliveiras.
Gustavo ganha quatrocentos e vinte reais por mês, paga de aluguel duzentos e cinquenta.
Para ajudar no orçamento, sua mulher vende de tudo. Natura, Avon, e roupinhas de criança.
O casal tem dois filhos, Joice de quatro anos e Thiago de um ano e meio.
A maior revolta de Gustavo, é quando ele vê na TV que não existe inflação, parece que o FHC é presidente de outro país, porque aqui no Brasil, desde o plano real, a única coisa que não aumenta de jeito nenhum é o salário, aumentar pra quê se não existe inflação.
Já no supermercado, com donos bem brasileiros, tudo aumenta a toda hora.
A tempos que o padrão de vida na casa do Gustavo vem piorando, mas 2002 está insuportável.
Se não bastasse tudo isso, na metalúrgica existe um risco constante de corte, o encarregado vive pressionando todos a trabalhar mais, porque a empresa vai mal e um dia todos acabarão demitidos.
O dono da empresa não conversa com os funcionários, ele tem outros negócios e por isso passa umas duas, três horas por dia lá, depois parte no seu carrão importado.
O proprietário da casa que Gustavo mora, e que vive do aluguel de suas várias casas, quer elevar o valor do aluguel para trezentos e cinquenta reais, por ironia do destino alega que o custo de vida aumentou e lhe obriga a reajustar o aluguel, depois de muita discussão e negociação o valor fica definido em trezentos reais a partir de Maio de 2002.
Deste mês em diante a situação piorou de vez, constantemente falta alguma coisa.
Mas iam levando aos trancos e barrancos, esperando sempre por dias melhores.
Gustavo mora ao lado de uma favela no Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo, a favela não lhe traz dor de cabeça, ele até joga no time do “Sangue B” que é bancado por traficantes do local, o futebol de Domingo é seu único lazer.
Dia destes acabou o gás na casa de Gustavo, ao chegar do serviço, mesmo a contra gosto foi forçado a pedir dinheiro emprestado ao dono da boca, sem cozinhar que não poderia ficar, se não bastasse as crianças ele tinha que levar marmita.
Foi quando o pior aconteceu, a metalúrgica cortou em setembro oito funcionários do seu quadro, entre eles Gustavo.
A indenização e o FGTS serviu para quitar algumas dívidas em atraso, para se previnir pagou o aluguel até dezembro, acreditava que se arrumasse logo outro emprego, teria sido até melhor.
Gustavo não perdeu tempo e partiu logo atrás de outra ocupação, no começo procurava emprego de Segunda a Sexta, mas o tempo foi passando e nada, o dinheiro foi acabando e já não dava para gastar com condução todo dia, passou a procurar mais no começo de semana, a cada Domingo com o caderno de emprego nas mãos, a esperança se renovava.
Gustavo viu as portas e mais portas se fecharem para ele, passou setembro, outubro, novembro.
Dezembro de 2002 e a situação já era insuportável, mês que vem tem o aluguel, e o final de ano prometia ser triste.
Gustavo chega cansado depois de mais uma Segunda-feira frustrante atrás de emprego, encontra a mulher chorando em casa, não tem mais comida para por na panela, nem leite pro filho pequeno.
Para evitar que passem fome ele se vê obrigado a vender seu aparelho de som, claro que por bem menos, mas foi como jogar um copo d´água no deserto, só resolveu a emergência, mas não curou a doença.
Domingo no campo, Gustavo se trocava para jogar bola, ao seu lado cinco homens conversavam, eles eram do time e envolvidos no crime, falavam de um assalto que iria acontecer, Gustavo ouviu eles falarem que a fita tinha sido dada e que não tinha erro, ia virar cerca de trinta mil reais, dividido em sete, no máximo em oito pessoas, entre eles o funcionário da firma assaltada e que deu o esquema, ele tinha cargo de confiança e estaria acima de qualquer suspeita.
Xandão falou: - a parada é depois de amanhã e falta um piloto de fuga, só temos um.
Gustavo ouvia tudo, pensou no dinheiro, na sua situação e movido pelo desespero ele falou: - Eu topo ser piloto, dirijo muito bem, podem confiar.
Debateram o fato de ele não ser do crime, e acabaram concordando porque ele falou que sua família estava prestes a passar fome. Gustavo estava envolvido.
A fita era o seguinte, por volta das onze horas da manhã, chegaria um Palio branco na Lanus Embalagens, nela estaria o irmão do dono da empresa, com ele o pagamento do salário e da Segunda parcela do décimo terceiro dos funcionários, se não for agora já era, porque a partir do ano novo o pagamento seria via banco.
O bando ficaria ao redor da firma, uns no boteco, outros andando até o Palio aparecer, quando o homem do dinheiro subir as escadas, os dois pilotos param os carros na esquina, o Nino enquadra o segurança, o Geléia dá cobertura na frente da firma, os demais sobem e fazem o assalto.
Chega o dia D, onze e vinte chegou o Palio com dois homens, descem com uma bolsa tipo de viagem, o plano foi posto em prática, o assalto foi rápido e sem problemas, os ladrões correm para os carros, conforme combinado cada carro seguiria um caminho.
Mas uma Blazer da polícia passou a perseguir o carro guiado por Gustavo.
Muitos gritos e desespero, mas Gustavo era realmente bom de volante, a perseguição foi longa e próximo a um matagal Gustavo parou e todos desceram, só ele seguiu sozinho para despistar de vez a viatura que não chegou a ver o desembarque dos demais ocupantes, só que a esta altura já não era só uma e sim várias viaturas, para piorar a situação chegou o apoio do Águia, helicóptero da polícia. O outro carro usado no assalto e que levara o dinheiro foi embora sem problemas.
Estavam em alta velocidade pela Avenida Aricanduva, quatro viaturas e o Águia na perseguição, foi quando para desviar de uma criança, Gustavo perdeu o controle e caiu no rio, morreu no acidente.
A polícia deu a notícia para família, a esposa de Gustavo mostrou os documentos do marido e afirmou nem imaginar sobre o assalto, mostrou inclusive a rescisão da última empresa que ele trabalhou.
A polícia percebeu a inocência da mulher e a deixaram em paz, o enterro foi feito com ajuda de parentes e vizinhos.
Dois investigadores rodearam a residência por uma ou duas semanas e encerraram as investigações sobre a família.
Natal de 2002, além da dor da perda, Dona Vera não sabia o que fazer, faltava comida, não existia brinquedos nem panetone, a situação era terrível e eles passaram com a ajuda de vizinhos.
Dia 31 de dezembro, na rua festa e fogos.
Dentro da casa Dona Vera chorava de saudade e de desespero.
Foi quando alguém bateu na porta, ela atendeu ainda enxugando as lágrimas, um homem de capuz entregou um pacote para ela e falou.
É parte do seu marido no assalto.
O homem partiu sem dizer mais nada.
A mulher contou três mil e setecentos reais, separou cem e foi comprar alguma coisa para os filhos comerem, o restante guardou numa mala em cima do guarda-roupa.
Uma semana depois ela se mudou com os filhos e nunca mais, nem em sonho ela voltaria ao Itaim Paulista.
Alessandro Buzzo, escritor, participou do Literatura Marginal Ato I, é autor do livro O Trem Baseado em Fatos Reais e Suburbano Convicto, O Cotidiano do Itaim Paulista.
Contato www.suburbanoconvicto.blogger.com.br.
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